domingo, 16 de novembro de 2014

ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA NO BRASIL: ASPECTOS DA VULNERABILIDADE PROGRAMÁTICA E DOS DIREITOS HUMANOS

Trecho de um artigo de revisão: FIGUEIREDO, Glória Lúcia Alves; Mello Débora Falleiros de. ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA NO BRASIL: ASPECTOS DA VULNERABILIDADE  PROGRAMÁTICA E DOS DIREITOS HUMANOS. Rev Latino-americana de Enfermagem, 2007.


"OS PROGRAMAS DE SAÚDE DA CRIANÇA, A VULNERABILIDADE PROGRAMÁTICA E OS DIREITOS HUMANOS

Ao olhar para esses programas de saúde da criança e atentar, especificamente, para a situação atual, procura-se, neste ensaio, apreender aspectos da vulnerabilidade programática e social e apontar questões dos direitos humanos. A noção de vulnerabilidade é, relativamente, recente, e é tratada como grande contribuição para a renovação das práticas de saúde em geral e, particularmente, aquelas de prevenção e promoção da saúde. É considerada originária da advocacia, pelos Direitos Universais do Homem, voltada para grupos ou indivíduos fragilizados quanto aos seus direitos de cidadania. Na saúde vem sendo estudada, primeiramente, em investigações no campo da epidemia de HIV/AIDS, com discussões e respostas à necessidade de avançar para além da abordagem das estratégias de redução de risco. No tocante à vulnerabilidade programática, cabe ressaltar que ela está ligada aos seguintes aspectos: expressão de compromisso, transformação do compromisso em ação, desenvolvimento de coalizão, planejamento e coordenação, gerenciamento, resposta às necessidades de prevenção e de tratamento, obtenção de recursos financeiros, sustentação do esforço, avaliação do progresso e do impacto. Em relação à expressão de compromisso, observa-se empenho do governo em elaborar e sustentar programas de atenção à saúde da criança, desde os anos 70. Nos anos 90, há o reconhecimento da necessidade de mudança do modelo assistencial e compromisso em reacender a atenção primária à saúde. Também se depreende iniciativas de transformação do compromisso em ação, quando adota medidas que são incorporadas na assistência à criança, adequando a estrutura técnico-administrativa, estabelecendo normas técnicas, definindo instrumentos operacionais e promovendo capacitação de recursos humanos e educação para a saúde. O desenvolvimento da coalizão pode ser visto quando os documentos expressam, desde os anos 70, interligação com a estratégia global de desenvolvimento do país, com política de expansão e consolidação da rede de serviços básicos, cujas atividades prioritárias caracterizavam-se pela resolução de problemas específicos de saúde, baixo
custo e complexidade tecnológica adequada para execução nos vários níveis dos serviços. A integração interinstitucional contribuiu para a implantação das ações integradas de saúde, apoiando, no âmbito estadual, as comissões estaduais e regionais de saúde. Também vem sendo enfatizada a intersetorialidade na saúde e entre os setores sociais. Em termos de planejamento e coordenação, em todos os programas estudados, há definição de objetivos e estratégias. Quanto ao gerenciamento e obtenção de recursos financeiros apreende-se que as ações são propostas com vistas à adequação da oferta de serviços, concentração e priorização de recursos, dimensionados para a solução dos problemas de saúde mais prementes e de maior prevalência na população de crianças menores de 5 anos de idade. Em relação às respostas às necessidades de prevenção e de tratamento, o conjunto das ações visa a integralidade na assistência prestada pelos serviços de saúde, deslocando o enfoque de uma assistência baseada em patologias para uma modalidade de atenção que contemple a criança no seu processo de desenvolvimento e crescimento, além de propor a garantia da extensão de cobertura de atenção básica à saúde e, simultaneamente, o aumento da capacidade resolutiva. A abordagem anterior enfatizava o controle individual de doenças e, atualmente, passa para a atenção integrada de tratamento e de prevenção de doenças prevalentes na infância. Há ampliação da noção de desenvolvimento infantil, considerando a qualidade de vida e o bem-estar de crianças e famílias. Quanto à sustentação do esforço, pode-se dizer que o governo vem tendo empenho em oferecer garantias e estratégias de continuidade do programa PSF e AIDPI, com ênfase no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. A adaptação da estratégia AIDPI para atender necessidades das regiões do país, capacitações de trabalhadores de saúde, incentivo à incorporação da AIDPI no ensino de graduação, fortalecimento da participação da comunidade no cuidado à criança, alcance de maior acesso à assistência nas ações básicas de saúde da criança e ampliação do número de equipes de saúde da família têm se constituído em medidas importantes. No tocante à avaliação do progresso e avaliação do impacto, tais especificações não são muito detalhadas, o que tem surgido, em relação à avaliação, são estudos produzidos externamente ao programa. Ao se considerar a noção de avaliação, essa deve começar quando se estabelece o que fazer, um horizonte norteador, que se desdobra em critérios e métodos pormenorizados, com flexibilidade suficiente para absorver a dinâmica de desenvolvimento do projeto e transformar-se quando necessário. A racionalidade de um projeto de intervenção deve ser expressa em meios e fins claramente definidos e objetivamente verificáveis, portanto, um protocolo de avaliação deve ser capaz de expressar e retroalimentar constantemente essa racionalidade. Objetivos, metas, estratégias e alguns critérios de avaliação como a racionalidade econômica, principalmente, a eficácia, em geral, e outros resultados fechados foram verificados na elaboração dos programas aqui analisados. Porém, a avaliação de resultados das ações programáticas, não fora viabilizado desde o início, impossibilitando a retroalimentação das racionalidades programáticas, as chances de oferecer um trabalho de intervenção de melhor qualidade e a garantia de processo de avaliação sólida, ou seja, realista, fecunda e operacional. Em termos de direitos humanos, os direitos sociais estão presentes nas diretrizes políticas de atenção à saúde da criança. Os direitos sociais são direitos fundamentais do cidadão, chamados positivos, ou de segunda geração, entre eles estão os direitos à educação, ao trabalho e à saúde, pressupondo iniciativas concretas do Estado para sua garantia. No Brasil, o direito à saúde ganhou força nas últimas décadas do século XX. Inicialmente, em meados dos anos 60, a 3ª Conferência Nacional de Saúde definiu o direito de todos à saúde e as discussões propunham a municipalização como caminho para implantá-lo. Nos anos 80, com as propostas da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde foi destacada como direito, com ênfase nos princípios de universalidade, equidade, integralidade de ações e promoção da saúde. A Constituição de 1988 e a criação do SUS fizeram ressurgir as discussões de que a saúde é um direito humano fundamental. Nesse processo, também foram destacados os princípios da Atenção Primária à Saúde (APS), que foi retomada e ampliada na década de 90. As idéias da APS vêm ressaltar que os cuidados primários à saúde são os primeiros passos para concretização do direito à saúde e estão ligadas diretamente aos direitos humanos, implicando na equidade, solidariedade,
intersetorialidade, participação comunitária, controle social, universalidade de acesso aos serviços de saúde e reorientação do modelo assistencial. A saúde é reafirmada como direito humano que é inviolável, inalienável, irrenunciável, indivisível e universal. Assim, os programas de saúde da criança estão amparados em diretrizes políticas que, em certa medida, contemplam o direito à saúde. Políticas e programas de saúde pública podem promover, ou violar, direitos humanos, trazendo a pesquisadores e profissionais de saúde questões difíceis para reflexão. A garantia de acesso, de boa qualidade de atenção, de atenção integral à saúde, de cuidados preventivos e esquemas de tratamento, postulada nos programas de saúde, tem efeito positivo de ação de saúde pública sobre direitos humanos. A criança tem direitos que se referem, principalmente, à autonomia pública, ou seja, aos direitos sociais, tais como direito ao adequado crescimento e desenvolvimento, aleitamento materno, nutrição, vacinação, higiene, saneamento ambiental, medidas de proteção, prevenção de acidentes, acesso à educação, cuidados à saúde, enfim direito à vida. Aliado a esses aspectos, também é considerado importante a garantia de que os pais conheçam os princípios básicos de saúde, recebendo apoio para aplicação dos conhecimentos no cuidado à criança, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989. No entanto, considerar somente os direitos exclusivos das crianças pode criar situações delicadas e potencialmente danosas se olharmos para os pais e famílias somente como cumpridores de deveres. Assim sendo, haveria a perspectivas de desenvolvimento de políticas públicas autoritárias na saúde. Por outro lado, os documentos aqui estudados expressam compromisso não só com a sobrevivência, mas também com a qualidade de vida das crianças, vendo-as como um todo e em relação com seu ambiente, pais e família. De acordo com a Convenção dos Direitos da Criança, os direitos à vida, à sobrevivência, ao máximo desenvolvimento, ao acesso à saúde e aos serviços de saúde não devem ser tomados apenas como necessidades das crianças e adolescentes, mas também são direitos humanos fundamentais. Ainda, que a proteção e o cumprimento desses direitos fundamentais dependem da realização dos seguintes direitos: à não discriminação educação e acesso à apropriada informação, privacidade, proteção de todas as formas de violência, descanso, lazer e recreação, adequado padrão de vida, não exploração e participação, com direito a ser ouvida(19). O Estado, em concordância com as convenções, declarações e pactos internacionais, deve respeitar, proteger e efetivar os direitos humanos de seus cidadãos. Para tanto, tem o dever de elaborar planos de responsabilização, na tentativa de evitar desrespeitar, desproteger e não efetivar um direito. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma das maiores conquistas da sociedade civil organizada na década de 90. O ECA foi capaz de introduzir mudanças significativas em relação à legislação anterior, o chamado Código de Menores, instituído em 1979. Com o ECA, crianças e adolescentes passam a ser considerados cidadãos, com direitos pessoais e sociais garantidos, fazendo com que o poder público implemente políticas públicas especialmente dirigidas a esse segmento. Por outro lado, esse documento estabelece também a responsabilidade da sociedade e dos pais na atenção à criança e ao adolescente. O que rege o ECA é a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, criada pela Organização das Nações Unidas, e não se dirige apenas aos abandonados e infratores. Colocar isso em prática é o grande desafio da sociedade brasileira. A avaliação dos dez anos do ECA, em 2000, mostra que é possível aperfeiçoar o tratamento de crianças e adolescentes, com maior envolvimento e responsabilidade de todos os segmentos, garantindo que se tornem cidadãos capazes de construir um país justo e democrático."

Postado por: Cristina Vargas

4 comentários:

  1. É importante enfatizar temas como esse texto, que nos traz um momento cronológico de como gerou as transformações e o acesso aos serviços de saúde pública do Brasil. A base para possibilitar a entrada de pessoas no sistema conjunto se deu por meio do controle social na capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública , orientando as ações do Estado e os gastos estatais na direção dos interesses da coletividade. As ações visa a integralidade na assistência prestada pelos serviços de saúde, deslocando o enfoque de uma assistência baseada em patologias para uma modalidade de atenção que contemple a criança.

    ResponderExcluir
  2. O mais importante deste artigo foi o pensamento que o governo teve em se criar políticas e ações para a saúde da criança, elas precisam ter saúde de qualidade pois são o futuro do nosso país. De acordo com a ECA que também foi citada no artigo as crianças tem os seus direitos e deveres quanto a saúde e demais aspectos como educação, segurança entre outros. Outro ponto importante e que não pode ser esquecido é a fiscalização dessas políticas e ações, realizadas pelos próprios pais e cidadãos que utilizam o SUS.
    Luana Cordeiro

    ResponderExcluir
  3. Os profissionais de saúde devem articular as diretrizes políticas com as práticas de saúde, para ampliá-las. Isso através de pesquisas para criar tecnologias que organizem das práticas de saúde da família, promovendo a qualidade de vida. Os profissionais devem observar e intervir para efetivar os direitos humanos. Eles possuem papel transformador no cuidado em saúde. Contudo, as dificuldades do cotidiano dificultam essa transformação, o que muitas vezes frustra o profissional e seu empenho no trabalho não se torna de qualidade, o que é um pecado quando se fala em crianças.

    Karoline Ronconi.

    ResponderExcluir